Postagens

1 - Julho 2021

Eu tenho medo. De me mostrar demais, me mostrar de menos, mostrar o que não existe ou existir de um jeito que não me mostro. Medo de não ser suficiente, de sentir falta e não ser sentida, de querer e não ser quista, de ser via de mão única - sem destino. Eu eu eu eu. Minha mente orbita ao meu redor, como se fosse tudo sobre mim e estou farta. Sou temática constante e entediante, quero ação e entrego toda essa carga ao outro, responsabilidades que não posso me dar o luxo de ter. Estou cansada de mim mesma. Tenho pressa, me machuco. Não espero, tenho pressa. O tempo do outro parece desaparecer porque é mais importante que eu mostre porque sou importante aquisição. Espero, me machuco. RESPIRA, NÃO TEM PAZ QUE ME ALCANCE, eu não deixo. A loucura não está efetivamente em meus braços, sequer me cerceia em nenhum nível além do normal. Mas a obsessiva vontade de ser doação atravessa o limite da tranquilidade e magoa, cutuca ferida, transtorna, insiste e destrói.  Me afasto. Convencida de q...

1 - maio 2021

O que é a realidade se não um pensamento que se concretizou. Sendo assim, a ficção materializada. Um amontoado de ficções- umas verídicas e outras não sólidas. Eu gosto de acreditar que eu vivo mais porque misturo as minhas ficções e não as distingo - veja bem, não sou louca, entendo das concretudes da realidade, só gosto de ter o tempero dos pensamentos pra melhor saborear o dia a dia. Essa vida de fartas refeições entretanto é exaustiva e fonte dúbia. Não sei se colho vida ou vazio, sigo sugando, correndo riscos. E na entrega intensa, ao dançar com possibilidades, um vazio me agarra e arranca uma das camadas de vida.  Quantas vezes será que aguentamos morrer em vida? Se desdobrar para entender, significar coisas, pessoas, momentos que sequer voltarão. Por que escolher se submeter a tais tiranias quando se tem a natural solução e alegria dentro de si? É tempero ou dose microscópica de veneno que nos auto injetamos ao permitir que os pensamentos adentrem a realidade?

1 - março 2021

Eu sei o quanto eu quero o que eu quero. Você é uma tremenda lembrança, sem sequer ter acontecido. Não faço sentido - acho - espero que façamos. Talvez por ter tão garantida essa vontade de um objeto para personificar esse meu grande amor,  permito que minha mente se desenrole; e é o colapso entre o melhor e o mais caótico dos mundos, tudo intenso ao mesmo tempo, extremamente dicotômico. Eu flutuo levemente num afogamento denso entre quando nossos dedos se cruzam e o momento em que você rejeitará o carinho do meus olhos - são todas projeções, lembremos. Eu sei. Sigo. Misturo os dados que coletei em nossa escassa troca e dissolvo, como se fosse séria cientista no laboratório de emoções, em possibilidades líquidas, fresquinhas, extraídas diretamente do imaginário. Está pronta a solução de compatibilidade que eu já não tinha dúvidas ser 100% na hora que ouvi sua voz. Estou louca. Estou?  Minha intensidade sempre me afastou das pessoas e das coisas e das oportunidades, em profunda...

Dicotomias

Estava na rede. Todo mundo ao redor rindo, vivendo, vendo. Seu nome sai da minha boca como se sempre tivesse morado lá. “Quero beijar você”. Você sabe como me sinto, os outros todos também, mas você acha que não sabem. Não há nada que nos proíba, mas a validade que traz fazer as coisas às claras te assusta. Você me encara, meio surpreso, meio sorriso. “Onde?”. “Aqui”. Você se inclina e acaba por sentar, encaixado de lado entre as minhas pernas que estavam espichadas na rede. A gente se cabe direitinho. Eu amo tanto seu calor. Me sento, a gente se cheira, se alisa com o rosto e se beija. Todo mundo fica feliz. Dão risada “finalmente”, ouve-se de algum canto. Eis que acordo. Correndo por um caminho todo perfeitamente pavimentado, às seis e meia da manhã, com uma canção não forte o suficiente para chamar minha atenção e um sorriso que atrai os raros pedestres da rua vazia. Tento me desvencilhar dessa inundação de sensações de um sentimento tão antigo e duradouro. Não misturo meus devane...

Ansiedade

Era Julho, eu acho. Foi uma sequência rápida: Mauricio me rodopiou, me jogou para trás,  nossos olhares cruzaram -o suficiente-, me puxou de volta e eu te amei ali, naquela troca. Nunca mais parei de te amar.  Não desenvolvemos o costume um do outro, não sei se um dia iremos, muito provável que não. A gente se fala, mas não sabe mais como é o beijo, o sorriso e o cheiro. O tempo pra ter memórias não aconteceu. Só para se ter vontade.  Tem quase uma década desse amor que não é.  Entre o total esquecimento e sonhos - que foram tão reais - você sempre existiu. Às vezes temo que ame a mim mesma, através da ideia que criei de você, que se confunde com os sinais de realidade que você passa quando existe. Um acalento diante de um sonho ruim e tudo volta. Confundo o oceano entre nós com o que carrego em mim, molhado, profundo, que tanto anseia pelo seu mergulho. Confundo sua indiferença com o resguardo de alguém indisponível a amar alguém tão disitante. Confundo su...

Percepções

Dos três partos, nenhum deixou marca mais profunda que a da entrega. Carrega no rosto linhas acentuadas e no pescoço uma corrente com três pingentes, um para cada filha. Ela tem cheiro de friagem e as costas curvadas pelo peso invisível de uma vida sem ruídos, cheia de gritos. É quase tão esguia como as estrias em suas costas, a mostra por um descuido com o uniforme. Apesar de não esboçar um sorriso, mesmo quando lhe é dito um delicado ‘obrigado’, o olho esquerdo sempre responde, ainda que sem querer, a qualquer interação - o tique nervoso a faz piscar quase que sem parar. A vontade de ajudar está sempre comprometida, não sei ao certo se por preguiça ou pelo peso de tantas pulseiras nos braços. Tem a voz devagar, parece puxada com muito esforço de um lugar de onde não deveria sair. Tenho a impressão de que cedo ou tarde escorrerá entre as catracas e desaparecerá, derretida pelo chão em que piso. O escuro dos cabelos misteriosamente reflete no vazio dos olhos e traz à tona o eco d...

Curto relato sobre um aniversário

Bernardo, 17 anos, roubava os colegas, mentia para os professores, enganava os pais. Bernardo, 28 anos, casou-se, foi pai e traiu a mulher. Tudo no mesmo ano. Bernardo, 35 anos, obrigou uma de suas amantes a abortar, quebrou o braço de sua mulher, tirou o filho da escola, tudo no mesmo ano. Bernardo, 39 anos, colocou remédio para dormir na comida da mulher, a estuprou e espancou para que ela não contasse a ninguém. Bernardo, 43 anos, mentiu no trabalho, bateu no filho mais velho até ele desmaiar, desviou dinheiro da empresa. Bernardo, 55 anos, corria na estrada, sofreu um acidente que matou sua filha mais nova, ficou cego. Bernardo, 56 anos, foi largado pela mulher, morava sozinho, ficou com anemia. Bernardo viveu como pode e como quis até os 55 anos. Parou de bater. Ao matar a própria filha em um acidente de carro, ficou cego de nervoso. Parou de viver. Não tinha mais ninguém ao seu redor, definhou. Parou de mentir. Não sabia mais onde estava. Quando completou 76 ano...