Curto relato sobre um aniversário

Bernardo, 17 anos, roubava os colegas, mentia para os professores, enganava os pais.
Bernardo, 28 anos, casou-se, foi pai e traiu a mulher. Tudo no mesmo ano.
Bernardo, 35 anos, obrigou uma de suas amantes a abortar, quebrou o braço de sua mulher, tirou o filho da escola, tudo no mesmo ano.
Bernardo, 39 anos, colocou remédio para dormir na comida da mulher, a estuprou e espancou para que ela não contasse a ninguém.
Bernardo, 43 anos, mentiu no trabalho, bateu no filho mais velho até ele desmaiar, desviou dinheiro da empresa.
Bernardo, 55 anos, corria na estrada, sofreu um acidente que matou sua filha mais nova, ficou cego.
Bernardo, 56 anos, foi largado pela mulher, morava sozinho, ficou com anemia.

Bernardo viveu como pode e como quis até os 55 anos. Parou de bater. Ao matar a própria filha em um acidente de carro, ficou cego de nervoso. Parou de viver. Não tinha mais ninguém ao seu redor, definhou. Parou de mentir. Não sabia mais onde estava.
Quando completou 76 anos, na pele e osso, a alma já não vivia. O filho mais velho o levou para morar de volta com a ex-esposa.  Ficou um pouco mais forte, mais ranzinza, mas ainda desamparado pela visão. Velho. Esquecido.
A manhã tinha um ar mais leve, um pouco quente, apesar do forte inverno. Completou 80 anos hoje. Só não acordou para ver. Não que fosse fazer diferença. Bernardo nunca viu o seu redor mesmo.

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