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Mostrando postagens de novembro, 2012

A vaidade - I

Lurdes saltou da cama. Rapidamente vestiu a roupa que estava pendurada na cadeira, amarrou os cabelos curtos num rabicó, alto e mal feito - estava atrasada, esqueceu-se dos grampos - tomou um café requentado e saiu, correndo, para o ponto de ônibus.  Joana não estava muito disposta naquela manhã. Sentou-se e escovou demoradamente os cabelos enquanto conferia se tudo estava no lugar. Ela não sabia ao certo se seu medo era de "derreter" ou se um dia Deus ia castigá-la por ter mudado tanto o próprio corpo. Logo esqueceu e voltou a escovar com mais intensidade os longos fios dourados até obter a composição perfeita e desejada. Conferiu as horas e ficou impaciente, 10 e meia e sem café. Ia escolher a roupa para a noite quando a porta abriu e uma bandeja anunciava a chegada de Lurdes, meia hora atrasada. - Você é debil mental? Atrasa meu café, não bate na porta e traz pão com queijo! É sério isso? Você quer perder o emprego? Sorte sua que sou muito boa. Olhava para

Sufocou-se de si

Osvaldo levanta cedo todo dia, mas não acorda. Vai para o trabalho às 8h, mas não está lá. Come no boteco do lado da empresa, nunca se alimenta. Pega o carro e, na volta pra casa, liga o rádio, mas não ouve. Todo dia come a mulher, mas não sente. Segue reto, mas é todo torto. Osvaldo trabalha com seguros. Vende seguros de vida, que não salvam ninguém e não trazem a vida de volta, caso a pessoa não goste da morte, só segura uma coisa que não tem reembolso se perdida. Ainda assim ele vende, ainda que não acredite. Sempre faz o que sua mulher manda, apesar de achar tudo errado e não ter vontade de fazê-lo. Osvaldo tem dinheiro, boa casa, bom carro, boa família, ainda assim é vazio. Osvaldo passou toda vida procurando as vantagens de viver, convenceu-se então que se tem vantagem também tem desvantagem, preferiu viver sem os dois. Seguiu o curso natural, evitou fazer escolhas o máximo que pode, deixava tudo pra sua mulher, Vivian. Atrasou-se, certa vez. Acordou às 11h, perdeu-se

As graciosidades dela

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Gracinha era prima de Astolfo, que, de passagem por Salto para rever a família, resolveu levá-la para conhecer São Paulo. Foi ele que, em 1973 apresentou Roberto, então com 26 anos, a Gracinha, que tinha 20.  Roberto era meio torto, mas charmoso, loiro, olhos castanhos, boca fina, pele branca, magro, alto e, sem dúvidas, muito elegante. Ela era alta também, ferindo o padrão (de todas as épocas), em que as baixinhas têm toda a preferência, morena, cara de brava, sobrancelhas grossas, e suas roupas escondiam o belo corpo que tinha. Certo dia, foi com seu primo à casa de Roberto, conversaram toda a tarde. A boquinha, pequena e carnuda, sorriu quando descobriu uma televisão a cores na sala da casa do rapaz.  Gracinha estendeu sua permanência em São Paulo. Roberto a levou para jantar, assistir no cinema  Toda Nudez Será Castigada, bailes e a eventos frequentados pela elite paulistana de 70. Enfim, sua volta para Salto se deu apenas para avisar aos pais sobre o casamento e pedir b

O amor de ninguém.

O gosto do chiclete me distrai. Tenho que esperar mais 1 hora, já estou aqui há 3. São tantas opções que eu não sei em quem pensar... O tio que não gostava  dele, os amigos, os inimigos (que não eram poucos), talvez o pai. Não, o pai não. Ninguém me dizia nada, como ou onde o encontraram, porque sumiu e quem o pegou. Só me restava esperar. Valter era ruim, mas ruim de dar ódio. Em toda sua vida, de longos 27 anos, se frequentou 1 ano de escola foi muito, apesar de ir todo dia pra porta, "azarar" as menininhas, como ele dizia. Tinha uma beleza ímpar, exótica, bonita demais para um favelado. A pele não chegava a ser negra, era dourada, mas sem brilho, a vida de miserável limitava-o ao jambo. Os cabelos, castanhos, revoltos como ondas de mar em ressaca. Alto, forte, cara de mal e uma boca... Seu ponto forte, deixava qualquer uma louca. Até as patricinhas, sabe-se lá como ele as conhecia, se derretiam por ele. Seu trunfo, que convencia quem ainda tivesse dúvida, era a voz, gros