Curtas lembranças sobre um curto casamento

Estava na hora de ser um pouco repetitivo, querida.
Lembro-me tão recente como você costumava chorar ao cortar as cebolas, suas lágrimas ainda estão em minhas mãos. Sempre achei que as cebolas fossem uma desculpa para você não jogar tudo em cima de mim, na verdade sempre soube disso. Você se mantinha sempre quieta em nossas refeições e temia a mim. Querida, aquele tapa foi só uma vez, foi só uma cerveja a mais no bar, foi só um descuido. Nunca quis machucar você. Eu sempre quis te dar o amor puro, terno.

Lembro-me tão intensamente como seus olhos vinham sempre de baixo, como uma reverência. Ainda que tivéssemos a mesma altura, meu bem. Sempre achei que fosse uma maneira de me fazer sentir bem, sentia-me assim. Você nunca me desafiou, sequer num olhar, amor. Eu adorava quando você me olhava bem de baixo, ainda que escorressem umas lágrimas, ainda que sua feição não fosse das melhores, meu amor, que prazer. Eu sempre quis te dar prazer!

Lembro-me tão feliz como você nunca me perguntou sobre meus horários, sobre como nunca mexeu em minhas coisas e como nunca fez questão de me esconder as suas. Mostram-me como você era sincera. E eu também, ao meu jeito, mas também. Você nunca duvidou de mim, sequer num envelope de correspondência. Eu me excitava como você nunca foi curiosa sobre mim. Eu sempre quis saber tudo sobre você!

Lembro-me com certa confusão sobre a última noite, você estava falante. Sempre achei que você não soubesse falar, na verdade, sempre contei com isso. Você se mexia de um lado ao outro sem parecer se movimentar de verdade. Mulher, como fui parar no chão? Por que tem sangue ao meu redor? A faca são para as cebolas, sua puta! Eu sempre quis matar você.

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