Perfil

Sempre foi muito charmosa, nunca chegou a ser bonita. Com bom senso de humor e de organização,não tinha um nome fixo.
Os peitos eram macios, pequenos, levemente arrebitados. Os cachos negros escoriam na cintura e caiam-lhe muito bem. As unhas eram curtas para não correr riscos. Era muito branca para ser negra, muito morena para ser branca, pouco amarela para ser asiática, nada jeitosa para ser mulata, era tudo e nada, meio manchada. A boceta não a deixava mentir sobre seu ofício. Usava um perfume forte demais para o verão, enjoativo e marcante . Os olhos caídos e sorridentes acentuavam sua confusa cara cansada.
As pernas, compridas e suculentas, eram sua principal armadilha. Atendia telefones e respondia mensagens muitas vezes ao dia, todos os dias. Das perguntas já não esperava nada novo. Há muito respondia 27, quando perguntada sobre sua idade, optou por não envelhecer.
Era imune aos olhares tortos das que se achavam mais dignas, ou mais mulheres que ela. Aprendeu a ser atraentemente invisível. Sofria por não se apaixonar mais e, porque morrer dava muito trabalho, vivia.
Quando era mais nova queria um cara legal, depois um cara rico, bastou que queria só o dinheiro.
Comia frutas com certo incômodo e não gostava de enriquecer redes de fast food. Adotou um cão para comer a solidão que ela deixava cair por aí. O demônio foi anjo antes de ser o que é, e assim se descrevia.
Com virtudes depreciativas fazia sua propaganda em sites adultos. Com vícios engraçados gastava suas economias.
Não acreditava na previsão do tempo, mas devotava fidelidade total ao horóscopo aos domingos. 
Não deixava que a arranhassem, tinha medo de estragar suas tatuagens. 
Completou um curso superior qualquer na esperança de se formar como pessoa, percebeu que não foi muito eficiente.
Morreu, um dia, aos 27, sem documentos, vítima de um amor que não sentiu, mas amante de um homem cujo a esposa era vingativa. Chamava-se Patrícia para ele, ninguém sentiu sua falta.

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