2:49, pausa, volta a dormir

São duas e quarenta e nove da manhã. Um longo barulho interrompe meu sono e perturba minha inquietude. Do meu lado, um estranho que escolhi amar, dorme. O vento está rápido e tão marcante quanto o agitado sonho que meu companheiro parece ter. Estou sendo esmagada, aos poucos, pelo fino lençol que cobre meu corpo. Já não me atrapalha mais o peso do sono nas minhas pálpebras, tampouco o som do silêncio. Não consigo dormir.
Tive um longo dia comum.  Todo meu corpo está cansado. Por maior que seja a minha vontade de dormir, tenho dificuldades em me desconcentrar de todo o resto. Os pratos sujos na pia da cozinha gritam. Dos vidros sebosos do boxe ainda escorrem gotas do meu banho recente. Os fios soltos da barra mal feita da cortina chacoalham com uma leve corrente de ar que invadiu o quarto e tocou meu rosto, esfriou.
Levanto, o assoalho frio é convidativo, sento-me no curto corredor e especulo sobre futuros que nunca aconteceram.
Soa uma aguda buzina de caminhão que ecoa no meu estômago vazio, havia horas que não comia nada. Enrolo o tapete de maneira que se adeque ao meu pescoço e me apoio. Estou perdida. 
O estranho percebe minha falta e vem me procurar, pisa em mim. Pergunta se estou bem e, mediante a ausência de resposta, deita-se ao meu lado. Alisa meu rosto, modela meus cabelos e me beija suavemente. Tira minha camiseta e minha calcinha, não me oponho. O tapeta dá espaço à sua mão, que passa a apoiar minha nuca. A outra mão aperta meu seio esquerdo. Ele me fode no chão, me bate, me beija, me come, ainda tenho fome. Ele respeita meu silêncio, com um afago em meus cabelos, me deixa e volta para a cama.  
Não quero acordar de dormir, não vou começar outro dia. O tapete amassado quer voltar a cobrir o chão tanto quanto minhas roupas querem deixar de estar nele. O espelho, no final do corredor reflete um vulto, que imita meus movimentos, deve ser eu, o claro da noite é escuro demais para eu ter certeza.
Volto para a cama, me cubro e deixo os lençóis abafarem os sons da minha cabeça. Sonho com ideias vazias e espero dar a hora de começar um novo dia, com menos vento, espero, às oito e meia da manhã.


Comentários

  1. Excelente progressão e caracterização psicológica. Me senti no lugar da personagem. Está de parabéns teu texto.

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