Os aromas do natal

Dia 24, estava há três dias alternando entre arrumar, limpar a casa e fazer comida. Apanhou de manhã. Toda data comemorativa seu marido arranjava um motivo para encrencar, cheirava a café. Seus dois filhos... Ah, seus dois filhos eram uma desgraça. Para cada cômodo arrumado eram três que eles bagunçavam. Não tem paz. Sempre se perguntava o porquê de continuar comemorando o natal em sua casa ano após ano.

Abriu o armário, o cheiro das panelas é nostálgico. Remete a um tempo em que não viveu, mas lembra-se bem. Talvez até tenha protagonizado essas lembranças, mas só as lembra de fato porque sua mãe contou. A criança em cima da pia, sentada. Observava atenta à mãe, suada, amassando um pão. Abria um armário, mal instalado, ao lado do fogão e um cheiro forte de ferro, lata -não sabia bem- subia, contrastando com o cheiro quente e gorduroso do peru, que já havia tomado toda casa. Ela queria ser habilidosa como a mãe, que enfeitiçava todos com aqueles cheiros, mas não tinha tempo. Ainda tinha salada e farofa para fazer.

A família se "reúne" numa competição. Querem ser os mais bonitos, ter as melhores roupas, sapatos, dar os melhores presentes. O perfume de cada membro da família se mistura e enjoam-na.  Tudo que sintetiza a representação do natal para eles não significa nada para Maria. O patriarca está morrendo, doente, já não anda. Fingem que se importam e ele finge que está tudo bem. Os filhos de seu irmão, do terceiro casamento - encontrava-se no quinto - apareceram sem avisar. Todo mundo está feliz, menos ela. Sua casa tão linda, tão grande, ficou tão cheia quando foram todos embora. O banheiro fedia, como o de um boteco no fim do mundo, parecia não ser limpo há muito tempo, vestígios deles.

E se foi mais um natal. Sua família, que tanto lutava para ser superior, era um lixo. Deixava seu cheiro por onde passava, resumiam-se a urubus que só sentem prazer com a carniça e ignoraram todos os cheiros que Maria preparou para eles.

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