O amor de ninguém.

O gosto do chiclete me distrai. Tenho que esperar mais 1 hora, já estou aqui há 3.
São tantas opções que eu não sei em quem pensar... O tio que não gostava  dele, os amigos, os inimigos (que não eram poucos), talvez o pai. Não, o pai não. Ninguém me dizia nada, como ou onde o encontraram, porque sumiu e quem o pegou. Só me restava esperar.
Valter era ruim, mas ruim de dar ódio. Em toda sua vida, de longos 27 anos, se frequentou 1 ano de escola foi muito, apesar de ir todo dia pra porta, "azarar" as menininhas, como ele dizia. Tinha uma beleza ímpar, exótica, bonita demais para um favelado. A pele não chegava a ser negra, era dourada, mas sem brilho, a vida de miserável limitava-o ao jambo. Os cabelos, castanhos, revoltos como ondas de mar em ressaca. Alto, forte, cara de mal e uma boca... Seu ponto forte, deixava qualquer uma louca. Até as patricinhas, sabe-se lá como ele as conhecia, se derretiam por ele. Seu trunfo, que convencia quem ainda tivesse dúvida, era a voz, grossa e imponente.
A ruindade do menino não se dava por ele ser, de fato, ruim, mas pelo modo como ele ignorava qualquer tentativa de aproximação maior do que a estabelecida por ele. Usava e abusava das garotas e depois as deixava, porque, no fundo, sabia que elas não valiam nada muito maior que ele. Foi assim que seu coração se tornou uma espécie de "prêmio" entre as meninas, que nunca conseguiram conquistá-lo. Fora as meninas, conquistou também a raiva de muitos irmãos, sedentos por vingar suas pequenas irmãzinhas, agora mulheres amarguradas.
Não perdoou, sequer as irmãs dos amigos, que, muito a contra gosto, fingiam não saber o que se passava.
Ganhava dinheiro roubando, matando já não sei, só Deus sabe.
O pai largou dele e de mim quando éramos pequenos, só nos deixou uma herança: o ódio pelo mundo.
-Valter, se ajeita, irmão. Porque é que você não casa e trabalha?
-Pelo mesmo motivo que você não cuida da sua vida, vadia. Não gosto de nenhuma, mas de todas, e não te mete.
...

-Dona Marta?
Olho com agonia, cansada de esperar.
-Me acompanhe.

É, era ele, (in)felizmente. Enforcado, a julgar pelas marcas no pescoço e pela confirmação do doutor. Acharam-no num barraco abandonado, ainda pendurado. Suicídio, concluiram. O doutor me deu um papel e disse que era tudo que meu irmão tinha quando o encontraram. Fui embora.

Não foram as pessoas que mataram-no, mas a recusa de uma. Valter morreu de amor, ou pela falta dele. Se enforcou e no bilhete, com caligrafia feia e mensagem confusa disse:
Se morri, foi porque não via mais sentido em viver sem Jurema. Não aceitou se juntar comigo, achou que eu não sabia amar.

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