Nosso (breve) amor

Ele estava sentado, do meio pro fundo da sala. Mostrava o caderno pra um amigo esquisito, lembrava o Frankenstein, quando me sentei atrás dele e resolvi ouvir a conversa:


-Esse aqui ficou massa, cara. O Aníbal (professor de redação) fez questão de ler pra todo mundo! Quer ler?
-Tenho que resolver física, cara. Foi mal.


De sorridente e orgulhoso, sua feição passou para insatisfeita e rejeitada e, de prontidão, eu disse:

-Oi, eu sou Amanda, são poemas? Posso ler?
(volta o sorriso, dessa vez tímido)
-Oi, pode, claro que pode.

E me dá a jóia, que meses mais tarde perdeu por uma das salas do Anglo Tamandaré. Li coisas maravilhosas, um poema sobre um boquete, dava pre sentir,ver, ouvir, de tão bem escrito que estava. 
A vida, nua, crua, como era, mas toda poetizada, uma exposição enorme. Com palavras sofiticadas e uma letra garranchuda, foi assim que conheci Leonardo Fernandes.
Com o tempo descobri que ele, apesar da boa condição financeira, era simples, tinha péssimo gosto musical, falava merda com o R esticado de um jeito que só um mato grossense falaria, zelava pelo corpo, tinha fome de leão... Descobri também que ele me amava, tanto quanto eu o amava. Ele tinha desejos fáceis e dúvidas complexas. Conheci um menino, com jeito de homem grande, com cheiro de homem forte e com olhar de homem único.
A gente resolveu, um dia, ir à galeria do rock. Que jornada, discutimos música, drogas e relacionamentos. Ele estava na fase SOJA, e eu Ella Fitzgerald. Subimos escadas, ruas, poetizamos a vida dos mendigos e fomos embora. No mesmo dia, no Correio o Leonardo me disse: - Você é uma flor da montanha, minha.

Eu ri, fingi que não ouvi, não sei reagir a elogios. Assistimos aulas, todas juntos, inglês era um caso sério. Eu tinha que ligar pra acordar ele, ddd 67 (que o lazarento nunca mudou), eu sempre errava como ligar. 
A última vez que nos vimos foi no pátio do anglo, estavámos nós dois e a Thais. Ele tava louco pra ficar com ela, de novo. Eu já estava com saudades, olhei pra ele com sua polo vermelha, justa, jeans azul e disse:

-Volta logo, que eu te amo e sem sua musa aqui não sai poesia!


Rimos, fui indo dei mais um tchau, subi as escadas e chorei. Chorei pensando que ia envelhecer e não te ver mais, porque achei que nossa amizade seguiria, mas só a distância.
Eu era puro drama, não sei como ele me aguentava, sempre paciente e compreensivo, me dizia tenha calma. Nos prometemos encontrar, ele não veio pra São Paulo porque seu pai achou prudente esperar o fim da greve (das federais), que estava prestes a acontecer.E, em uma Terça, vou chorar minhas mágoas pra você, que estava de saída do facebook e me disse:


Tenho q partir
depois a gnt se fala mais
ok?
bjo

E na sexta me ligam e dizem: você sabe quem morreu? O Leonardo.



Eu agradeço todos os dias por ter sido curiosa, por ter encontrado ele. Eu queria ter mais poesia e prosa e textos dele pra transbordar minha vida de alegria. Não é saudosismo de uma lembrança boa, mas falta de um menino com barba de homem feito. Sem a vida dele, um pedaço da minha também foi. Eu amo lembrar dele, e amo ama-lo.
Onde quer que você esteja eu ainda to com saudade, minha confusão, meu querido. 

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