Personalidade
Era um mendigo, todo fodido, mas ele sorria. Outrora fora um homem
ou menino, mas hoje... Já não sabe mais o que é. Nome não tem.
Teve algo de belo que tornou lento, mas certo, o caminho para a desgraça
em que caíra. Longa história, fica para próxima.
Pediu-me, como a todos os pedestres anteriores, dinheiro:
- Não vou mentir não. É pra cachaça, se você me der o dinheiro ele
passa a ser meu e o que é meu eu gasto como bem quiser. Vai dar?
-Você me pegou num dia ruim
Abri a carteira, não achei nada, sabia que tinha dinheiro em algum
lugar. Achei um bolinho no bolso que não me incomodei em conferir, só
entreguei.
Peguei na mão dele e, com ternura e sinceridade, disse:
-Espero que te faça muito feliz.
-Vai me completar, Deus abençoe, moço.
As pessoas acreditam que a benção de Deus acolhe e afaga a alma de
quem parece devastado. Desejam com falsidade ou sem intenção, na esperança de
que soe como lisonjeio.
Continuei andando. Apesar de ter nome, endereço, CEP, telefone,
e-mail, carteira de trabalho, passaporte e tantos outros títulos que me
creditavam identidade e me tornam uma pessoa única, eu chorava. Ainda mais fodido
que julgava estar o mendigo, com tanta identidade e liberdade de ser eu, o
invejava. Com toda a sinceridade ele sabia que a falta de opções o encaminhavam
restritamente para um único destino. Me metem medo de verdade, as opções. Tenho muitas. Posso ser muitos.
Ele vive um dia por vez, sem pressa de ser ou de chegar e com
certeza do que quer: Tomar seu porre pra esquecer que não tem nome.
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